Venha cá, eu lhe ofereço meu colo, meu ombro e um café!
21/12/2021

Ser amparo, ombro, ouvir lamentos, sofreguidão, distrair, mudar o foco, abraçar, atitudes tão simples, mas que fazem toda a diferença para quem precisa ser acolhido.

Deixa-me cuidar de você por alguns simples instantes, por dias consecutivos, por semanas a fio, pelo tempo que for preciso. Estou aqui para compartilhar um café, um vinho, um chá. Desabafe, não vou julgar você. Pode se demorar, não tenha pressa, não interrompa a metamorfose necessária para transformar sentimentos que são larvas em livres borboletas que dançam levemente pelo Universo.

Venha e, quem sabe, encontra aqui em mim o mínimo suficiente para driblar as aflições da lida e da vida, quem sabe eu seja afago, um alento para a sua alma em colapso.

Deixe-se estar. Eu entendo suas dores, raivas e rubores, coloco-me em seu lugar, já estive lá em dias escuros e cinzentos.

Tenho empatia suficiente para isso, pois tive de aprender a me resignar.

Se não quiser falar, não tem problema, apenas se deixe ficar aqui perto, próximo, como se nessa transferência de cheiros e calor eu o curasse. Tire as máscaras, os mantos, os sapatos apertados e se jogue num canto, sente-se no chão, dispa-se por completo.

Não sei o que o fez me procurar, quem sabe seja essa mania de envolver com meus braços e abraços histórias e personagens.

Não sei. Sei apenas que estou aqui para tentar colocar um sorriso no seu rosto, dizer tudo o que penso ou simplesmente me calar.

A gente se conhece pelo olhar – há horas em que não é necessário verbalizar, a sincronia existe, chega a quase ser palpável.

Não minta para mim nem para si mesmo, liberte teus sentimentos, deixe-os livres. Sufocamo-nos com as palavras que não dizemos, elas nos corroem por dentro, destroem a nossa energia, impregnando nossas entranhas. Falar sobre o que o aflige não será a solução, mas aliviará o peso, diminuirá o fardo, pois a dois tudo fica mais leve, é como se compartilhássemos uma sacola de emoções, cada um segurando uma alça.

Num mundo em que engolimos nossas verdades, a mentira que nos enfiam goela abaixo nos causa asco, embrulha o estômago. E, nesse cenário de meias-relações, vamos mostrando uma minúscula partícula do que somos aos outros, por medo, por receio. É como se cobríssemos nossos corpos com armaduras, impossibilitando o Sol de acariciar nossa pele.

“[…] meu caminho não sou eu, é o outro, são os outros.”

E, muito além do meu entendimento, você tem a minha identificação. Saiba que eu o sinto com todas as minhas forças.

Como tão bem disse Clarice Lispector:

Não é à toa que entendo os que buscam caminho. Como busquei arduamente o meu! E como hoje busco com sofreguidão e aspereza o meu melhor modo de ser, o meu atalho, já que não ouso mais falar em caminho.

Eu que tinha querido o Caminho, com letra maiúscula, hoje me agarro ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde eu seja finalmente eu, isso não encontrei.

Mas sei de uma coisa: meu caminho não sou eu, é o outro, são os outros.

Quando eu puder sentir plenamente o outro, estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada.

AD