Os sinais estavam ali. Por todos os cantos onde o desencanto se instalou, ocupando o que antes era morada da felicidade e da cumplicidade.
Os risos soltos e frouxos, os olhares que tudo diziam, a busca pelo toque enfraqueceram. O que antes era visivelmente amor, hoje nada mais é que um desamor em parcelas caras demais para serem pagas.
O aconchego da relação se perdeu em um espaço abismal. Como pode o vazio ser repleto de muitos tantos, de muitos tudo? Eles não mais se reconheciam.
E por desconhecerem-se passaram a se ferir com a estranheza.
Repetiam em suas mentes o mantra: “Vai passar!”
Mas não passou, eles é que passaram, um do outro, do ponto. O relacionamento, antes sadio e maduro, adoeceu e apodreceu. As certezas viraram dúvidas.
As semelhanças foram sufocadas pelas diferenças. As juras de amor emudeceram. Nas gargantas, onde as palavras de amor soavam como melodias, as ofensas e acusações passaram a ser vomitadas como blasfêmias que, de maneira profana, insultam o sagrado.
Perderam o fino trato.
O manto blindado, que cobria o seu amor, tornou-se trapo. Seus tempos dessincronizaram, o profundo virou raso.
O caminhar tranquilamente lado a lado tornou-se um triatlo feito de olhos vendados, sem prêmio à chegada, a não ser a exaustão. Construíram, sem perceber, territórios e mundos independentes. Sentiam-se estrangeiros quando circulavam pelo domínio alheio.
É como se não falassem a mesma língua, não tivessem os mesmos costumes, não defendessem a mesma bandeira. Perderam a admiração e o respeito.
Deixaram de proteger um ao outro e começaram a cutucar antigas cicatrizes, até que seus corpos e almas ficaram enfermos. O que era claro escureceu. A jornada ficou pesada. Poeira e mais poeira na estrada, entrando nos olhos, cegando.
O objetivo de chegarem juntos ao topo se perdeu. Já não sabiam se queriam continuar a descida de mãos dadas ou pular para o desconhecido, separando corpos, separando sonhos, destroçando o que sobrou do que antes foram.
O pedido de um era um absurdo para o outro. E, na recíproca das súplicas, a exigência do outro afrontava o que o segundo se dispunha a dar.
Uma queda de braço diária. Não havia mais cessões, recuaram tudo o que podiam. E mais: o orgulho, a mágoa e o ego não permitiam.
Protelaram o adeus inevitável: na partilha do desamor, um ficaria com as palavras, sentimentos e poesia. O outro, com a razão, com os projetos e, lá na frente, quem sabe, com a nostalgia de não ter tentado mais.
Eles estavam sofrendo, cada um à sua maneira, velando um amor que se desfez, sem saber o que fazer com as cinzas que sobraram do que tinham de mais raro neste mundo de sentimentos tão banais.